terça-feira, 31 de julho de 2012

ENTRE CAUSOS, QUADRINHOS E VIAGENS: [DEZ]OCUPAÇÕES



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No dia 29 de julho minha querida amiga e colega de Bolsa Pampulha Ana Moravi, defendeu dissertação de Mestrado: Horizonte Transversais: Artes da Imagem e do Som em Minas Gerais (2000 - 1010). Ana fez um belo recorte sobre a produção audiovisual de mineira da ultima década.Com a autorização da mesma estou publicando aqui no blog o texto em que, a agora, Mestre em Artes Visuais pela UFMG comenta meus trabalhos.



Ana Moravi
Pra saber mais sobre Ana Moravi:
http://youtube.com/anamoravi
http://anamoravi.blogspot.com


Abaixo o texto de Ana Moravi:


Entre causos, quadrinhos e viagens: [dez]ocupações


Joacélio Batista
Apreciador da deriva, Joacélio Batista é um viajante de mente aberta e sensibilidade alerta, que tem na família o pouso do afeto e mil causos para contar. Dos causos aos vídeos, seu imaginário mergulhou nas histórias em quadrinhos, filmes hollywoodianos e muita TV que, juntos com sua formação em Animação e Desenho pela Escola de Belas Artes da UFMG, o ajudaram a construir um universo de imagens em movimento que são encontros com devires. A solidão se transforma em performance, que se transforma em testemunho do afeto familiar, que se transforma em olhar estrangeiro, que, por sua vez, transforma-se em brincadeiras e pesadelos infantis. Entre imóveis sujeitos em cena da série de animações intituladas com poéticos questionamentos (Se estou certo, porque meu coração bate do lado errado? (2004)1, Se me queimo no fogo do desejo, porque meus olhos ardem n’água? (2007)2) à impossibilidade de os corpos se manterem parados no inquieto espaço de Sem Passo, Sem Piso (2011)3, Batista faz do corpo dispositivo e depois experimenta o contrário, sujeita o corpo a um dispositivo que age sobre ele.
Na maior parte da série de animação, além dos nomes que são perguntas, há uma pessoa como centro da imagem. Tem a questão da animação – o sujeito em cena sempre está fixo,enquanto o ambiente, o cenário está mudando, é frenético. Daí tem essa questão, a única coisa que é fixa é o que dá a noção do movimento nessa sequência de fotos. E tem o lugar desse sujeito, de ser o centro da coisa, do mundo. Depois, quando eu faço o Sem Passo, Sem Piso, é meio uma resposta para isso. Porque ele acaba sendo o contrário, lá tenho o controle através do sujeito em cena que fixa a ideia de imagem, que fixa a ideia de mundo. No Sem Passo, Sem Pisoconstruo um mecanismo para fazer o filme que dita tudo. Ele dita montagem da câmera, ele e a câmera são uma coisa só. E dita, praticamente dirige na interferência dele, do espaço com o performer, ele também dirige a performance, ele aponta para onde vai a performance, para onde vai o vídeo, para onde vai a câmera, dentro do movimento aleatório dele (BATISTA, 2011).
Um corpo que vaga só pelo deserto de sal ou que parece ser observado pelos olhares das crianças africanas diante da câmera – ao assistir a vídeos de Bill Viola e Eder Santos em uma exposição em São Paulo no fim dos anos 1990, Batista reconheceu no vídeo um meio repleto de possibilidades de criação e que é mais acessível, principalmente após a disseminação das ilhas digitais. Um dos primeiros trabalhos foi o vídeo Vestes Recém Tiradas (2003)4 realizado a partir de um convite do artista Daniel Saraiva para uma experiência entre vídeo e performance. Convite aceito, uma câmera emprestada e a recusa de Daniel em dirigir ou predizer suas ações, Batista teve, como se costuma dizer, que ‘pegar o boi pelo chifre’. No vídeo, Daniel Saraiva arrasta-se envolvido por uma capa de couro de vaca pelo chão de terra de um curral e estabelece uma relação com os animais que remete ao afeto dos instintos primordiais.
A força do trabalho impressa nos gestos e imagens reverberou e Batista foi convidado pelo CEIA5 (Centro de Experimentação e Informação de Arte, iniciativa dos artistas Marcos Hill e Marco Paulo Rolla) para uma residência na África do Sul realizada em parceria com o grupo de artistas PULSE de Durban, dentro do projeto BlindSpaces / Espaços Cegos que propunha pensar “a cidade como o espaço do corpo. Um país como expansãodesse espaço de enigma inatingível. A sociedade globalizada como um elo nas diferenças”6. Desse intercâmbio de fortes trocas simbólicas, surge, entre outros trabalhos e ações, o vídeo Artifícios do Olhar (2004)7, realizado por Batista em coautoria com o artista mineiro Pablo Lobato. Nesse documentário as câmeras trocam de mãos com homens, mulheres e crianças que, entre olhares curiosos, sorridentes, compenetrados, perscrutadores, nos revelam um pouco mais de seus costumes através das imagens que captam. Artifícios do Olhar (2004) utiliza uma estratégia de abordagem generosa na medida em que faz da câmera um instrumento de empatia criando com as pessoas documentadas um compartilhamento de olhares e de espaços enquadrados. O vídeo surge da convergência de sensibilidades entre os artistas e as experiências vividas em meio àquelas paisagens e pessoas. Sobre esse vídeo Batista escreve: “Dar às pessoas de Durban a possibilidade de ver a si mesmas através da câmera. Quebrando o mito de que a tela do vídeo era algo inalcançável, destinado  a poucos eleitos. [...]”8. As crianças que se apertam na frente do monitor da câmera ou cantam ao fundo enquanto Batista observa Henry Mshulolo, artesão local, fazer um autorretrato, são o ponto de partida do vídeo que desvenda espaços cegos e compartilha o desejo daquelas crianças Zulus: “Eu quero ver, eu quero ver!”
Após um período em que não realizou trabalhos autorais, o artista voltou o seu olhar para o próprio universo familiar e deu início a pesquisa documental que incorporou vídeos como Entre o terreiro e a cozinha9(2007), Bucólica I10 e Bucólica II11(2009),Saudade Doce12(2008) e a instalação Na Sala Nova da Casa (2011),apresentada no 30° Salão Nacional de Artes de Belo Horizonte – Bolsa Pampulha 2010/2011.
Entre o terreiro e a cozinha (2007)é uma declaração de afeto, cumplicidade e a revelação de como as noções estéticas se particularizam com o passar do tempo. O vídeo traz um encontro “entre avó e neto, causos, canção de ninar, uma discussão sobre o belo, e homenagens”13 que criam em quem assiste uma identificação com memórias e afetos familiares pessoais:

Não sei se minha avó vê alguma utilidade no que eu faço, muito menos o que eu via de bonito na cozinha dela pra ficar filmando tanto. Ela respeita embora me chame de “desocupado” toda vez que a gravo. Ironia pura, que sempre nos diverte. Acho q[ue] entendi o que ela vê como bonito. Também sei que ela não gostou de ver a cozinha dela exibida numa sala de cinema. Depois disso ela ficou muito cabreira quando chego com uma câmera na casa dela14.
Em Saudade Doce (2008) a memória diluída pelo tempo é remetida pelos fluxos d’água, e as lembranças assumem seu caráter de fluidez. É o primeiro vídeo de Joacélio que traz a presença de seu sobrinho João Manoel, que se tornará um interlocutor constante nas pesquisas com narrativas ficcionais explorando o universo infantil em vídeos como O menino que colhia cascas (2011)15e Fugaz (2012) 16.No vídeo Bucólica I (2009)a vida segue frenética em meio ao sossego: uma libélula parece buscar o frescor em um dia quente de sol, espelhos d’água, o ciclo repetido do ventilador, formigas carregam grandes folhas secas e uma cigarra canta no pé do ouvido da criança. Em Bucólica II (2009), um convite: observar o tempo que passa dando um pito, contemplando o comportamento animal ou lendo um livro, entregar-se ao pensamento. Como diz o artista na sinopse: “para o melhor desfrute desse vídeo dedicado ao ócio, recomendamos tirar os sapatos, tênis, meias e jogar as pernas para ar”17. São narrativas que remetem ao tempo de quem vive no interior, do mapa e de si.
Uma experiência frequente na pesquisa de Batista é produzir a partir dos deslocamentos, seja nas visitas à família no interior, seja através de residências, de convites para participação em festivais ou de viagens pela América Latina. O processo de criação nesses contextos é explicado por ele:
A primeira coisa em que eu penso é não criar nada antes, chegar lá o mais cru possível para não ficar preso na ideia. Já vi gente tão obcecada pela ideia do que queria fazer perder um pouco de tempo e não olhar o que está acontecendo. Toda vez que eu vou para essas residências, vou com uma câmera na mão e vou filmando, não tenho nenhum processo de procura. Assim, vou entrando nos lugares, deixando as coisas acontecerem, uma hora a coisa aparece na sua frente, mas eu acho que a coisa só aparece quando você começa a entender o lugar (BATISTA, 2011).
O artista lembra que também já fez o contrário, idealizou uma proposta anteriormente – como no caso de Bolívia Te Extraño(2009)18, realizado em coautoria com o artista Dellani Lima, parceiro também em outros trabalhos como Áfrika(2010)19, Copacabana (2011) e na concepção do Colégio Invisível (2009)20. Em Bolívia Te Extraño, a articulação entre um documentário roadmovie e a ficção poética desse olhar viajante pela branca cegueira do deserto de sal. Já em Copacabana,o estranhamento de um ritual religioso de benção de automóveis nos leva a pensar o lugar ocupado pelo veículo automotivo em nosso cotidiano. As pessoas em seus carros parados no semáforo parecem não achar graça no palhaço pedestre.
Mas em geral, quando participa de residências ou viagens, o artista afirma gostar mais da deriva, “desses atravessamentos da realidade, mesmo porque integrar não vou, não faço parte do lugar, é um lance de olhar estrangeiro” (BATISTA, 2011). Na Indonésia realizou Luruskan(2011)21, gerado por um encontro casual com um coro de meninas. No texto sobre a experiência em seu blogue, o artista narra:
A fronteira do idioma e a minha completa ignorância a respeito dos costumes locais me deixaram a margem, como um expectador solitário, preso ao meu olhar estrangeiro. Confuso, Instigado, impressionado pela beleza dos movimentos, das cores e dos sons das meninas de Burujul. Qual o razão daquela coreografia? Tinha uma função religiosa? Era um ensaio para uma marcha militar? Um misto de ambos? Ou apenas uma inocente brincadeira infantil?22
A opção do artista pela ausência de tradução das palavras pronunciadas se afirma como experiência compartilhada:
Depois de pronto, me perguntava se o vídeo devia ou não esclarecer com legendas, o que se tratava o canto das meninas ou se deixaria o expectador vivenciar algo próximo da minha experiência, perdido diante uma cultura diferente e tentando, apenas com meu conhecimento limitado sobre aquele país e aquelas pessoas, buscar um entendimento do que se passou por debaixo daqueles bambuzais numa manhã ensolarada em BurujulWetan23.
Luruskan(2011) é um encontro ao acaso com um universo infantil ordenado, mas Batista mergulha nesse universo também pautado por imprevisibilidades para experimentar a ficção. No vídeo O menino que colhia cascas (2011)24experimentamos – curiosos como João Manoel, sobrinho de Batista e protagonista do filme – uma suspensão no canto das cigarras que ecoa para além de suas cascas vazias, na ausência de corpos, incorporamos esse interior vazio dentro de bolhas plásticas e vemos o paradoxo de transparente desfoque. A casa em construção é como uma existência a ser preenchida. Finda a tarde, e os vazios são plenos de escuridão. Guiados por João e sua lanterna, dissipamos um pouco os temores, mas a tempestade que se anuncia na noite nos faz desejar uma casca para nos proteger. Sobre o vídeo, também escreveu Juliano Gomes durante a 10ª Mostra do Filme Livre (2010):
O foco aqui são as cascas, a porção exterior das coisas. Uma grande brincadeira de trocas: casa em construção, carcaças de insetos, sacos plásticos, homens sem rosto, um menino que é todos e tudo (e também nenhum). O estado do filme é desta indefinição, dessa possibilidade de troca destes materiais e superfícies, onde não há nada dentro para ver. Um estudo sobre o translúcido. Sobre as possibilidades de passagem da luz nos objetos e nos corpos. A montagem opera estas trocas e variações de estados a partir das matérias que não param de se adicionar umas às outras: menino, inseto, plástico. Uma obra como possibilidade de expansão, como mecanismo de mutações, que opta pela infância como um lugar de instabilidade das formas, como possibilidade de indecisão. Afinal, um elogio às superfícies como lugar de passagem da luz e dos sentidos25.
Três crianças e suas coroas transitam pelo mundo de Fugaz(2011)26, sempre com a assustadora figura de um homem misterioso, suas bonecas dissecadas e seus instrumentos de corte a espreita. O menino espia, foge e se esconde em mágicas travessias, como se estivesse em busca de um lugar seguro. Labirinto, rituais, onirismo e suspensão são atravessados por uma gostosa gargalhada do menino. Em uma macabra e pueril atmosfera, três crianças coroadas nos ignoram como se dessem as costas para o medo (a referência ao sujeito em cena que ignora o espectador é um elemento que aparece outras vezes em vídeos da série de animações citada acima). Animações, documentários e ficções com uma narrativa plástica e simbólica, que apostam no impacto das imagens, dos afetos, dos contextos. A trajetória de Batista é de pesquisas diversas e produção profícua. Seja em parcerias, ou em trabalhos individuais, seus vídeos sempre proporcionam um reencontro com vários imaginários.
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1Link para o vídeo: http://vimeo.com/13112989
2Link para o vídeo: http://vimeo.com/13112885
3Link para o vídeo: http://vimeo.com/29038082


4Link para o vídeo: http://vimeo.com/15530669
5Esta pesquisa também apresenta texto crítico sobre o CEIA (Centro de Experimentação e Informação em Arte), p. 58, com mais informações sobre seus projetos, incluindo o BlindSpaces, p.64.
6ROLLA, Marco Paulo. Apresentação da publicação BLIND SPACES. Disponível em: http://www.ceia.art.br/2001-2006/homeCeiaFinalnb.swf
7Link para o vídeo: http://vimeo.com/8401442




8BATISTA, Joacélio. Artesãos do olhar. Acessado em http://joaceliobatista.blogspot.com/2011/04/artesoes-do-olhar.html
9Link para o vídeo: http://vimeo.com/12590158
10Link para o vídeo: http://vimeo.com/24057113
11Link para o vídeo: http://vimeo.com/24058755
12Link para o vídeo: http://vimeo.com/12592563
13Sinopse do vídeo. Disponível em: . Acesso em: 13/06/2012.
14BATISTA, Joacélio. Ô Joacélio desocupado!!! Disponível em: . Acesso em 14/06/2012.
15Link para o vídeo: http://vimeo.com/12157930 .


16http://joaceliobatista.blogspot.com/2012/02/fugaz-e-premiado-na-mfl-2012.html .
17Sinopse do vídeo. Disponível em: . Acesso em: 13/06/2012.
18Link para o vídeo: http://vimeo.com/24298458 .
19Link para o vídeo: http://vimeo.com/33407474 .
20http://ocolegioinvisivel.blogspot.com/


21Link para o vídeo: http://vimeo.com/33004485
22Batista, Joacélio. LURUSKAN, LURUSKAN, LURUSKAN!!!!!. 10 dez. 2011. Disponível em: . Acessado em 14/06/2012.
23Ibidem.
24Link para o vídeo: http://vimeo.com/12157930.








25http://www.mostradofilmelivre.com/noticias/confira_os_19_premiados_da_mostra_do_filme_livre/
26http://joaceliobatista.blogspot.com/2012/02/fugaz-e-premiado-na-mfl-2012.html .

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